domingo, 29 de agosto de 2010

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terça-feira, 9 de março de 2010

SINA DO MATE

Sina do Mate
Topetudo, tal qual o Lombo do Batoví, sorvia a água aquecida na cambona, quando o enleio estrondou na coxilha; lancei um vistaço e assisti o malfado.
Primeiro um turbilhão, como se o grande rio despejasse o que tinha tragado, por dias e dias; antes fosse! O som das patas, esmagando a grama descorada misturou-se ao calorento ar, que soprava agourento, como a estender o manto enlutado sobre o Caibaté. E, não vinha de frente, nem de trás, mas de lado, amandrinhando o caudilho Guarani.
Indiferentes a refrega no campo, três éguas e dois castrados deixavam o capão da Sanga da Bica, quando Tiarajú facetou a vista e, esquadrinhando, vislumbrou o bagual malacara - de peito largo e pata grande -, que há poucas luas pisoteara um dos seus, sem dó.
No lombo, do pata grande, estufado de fidalguia, trotava o camandante espanhol, o mesmo que petulantemente esporeou e guiou as rédeas sobre o guerreiro Guarani, que depois de a montaria perder-se numa das tantas bocarras do chão, cruzou, lambendo a crina e estatelou-se no costado do Alazão. Feito um gato, saltou de pé, mas não resistiu ao trompasso da paletada e tombou.
Ao mesmo tempo em que a grande pata afundava a ossada do peito, desprendia-se o urro de guerra, entressachado de dor. E ele ainda zune, quando as invernias estendem o branco manto na vastidão dos campos missioneiros.
Ao alumiar a vista no entono do algoz, aos ouvidos de Sepé voltou o grito, urrado, entremeado ao estalir de ossos se fragmentando ao baque do casco e, por segundos, seus olhos viram apenas a besta que viera, senão, para pisotear e esmagar a paz que a companhia de Jesus, finalmente, conseguira enraizar na terra de seus ancestrais, dos seus e dos que viriam de si.
Naqueles dias, bruxas européias ordenaram Touros e Tuco Tucos escaramuçar a terra em favor da avidez, que por sobre a vida, dispõe o tostão.
Para tramar ferro com o invasor esporeou o Baio, mas, por sob o casco se abriu a bocarra e ao falseado da perna, a paleta do Ruano se mesclou ao vermelho da terra.
Tal qual a crina, a cola esbranquiçada, que deveria apontar o chão, virou de ponta, como a indicar o novo caminho por onde Tiarajú deveria seguir e transformar o lunar estampado na testa, em cruzeiro, para indicar aos errantes, os caminhos do Sul.
-Se foi o caudilho. Gritou o Dragão da ponta... E, antes de encerrar a frase, saltou do lombo e enterrou a lança na musculatura rígida, que se estirava para colocar o guerreiro de pé.
As mãos de Sepé Tiarajú - num movimento ágil - conseguiram evitar o trepasse, mas, o estanho espanhol afundou no peito, rasgou as entranhas e se acomodou no seio da terra.
Tombado de costas, com o olhar entremeado ao azul e branco do céu guaraní, sentiu minguar o rufo no peito e, antes que a luz se apagasse de vez, na chispa do isqueiro, se acendeu a pólvora derramada sobre o corpo guerreiro, ainda pulsante.
Noites, antes, sabedor da desventura de quem me sorvia, como o beija-flor suga o néctar das flores, passeei nos sonhos de Jussara e pintei o quadro funesto - como se de algo servisse -pois, ao que está escrito, não se muda uma vírgula e, neste inicio de tarde, quando sua amada estendia os braços enlaçados ao fardo de caá, na direção do girau, sentiu a fisgada no peito... Seus olhos cerraram e, por detrás das pálpebras, viu o clarão das labaredas que lhe mostrei no sonho.
Sem nada poder mudar, sorri ao escutar o galopeio compassado do Baio Ruano, rumo a cancela aberta no céu, deixando atrás de si, como extensão do próprio corpo, um rastro brumoso de lampejos cintilantes.
Na noite daquele dia, ao redor do fogo de chão, em meio à ufania etílica, mesmo sabendo que a desolação arderia em chamas antes do cair das folhas de Outono, adocei, boca por boca, com o amargo de minhas folhas e talos.
O Minuano rusguento do Agosto glacial, verberando as cruzes do cemitério, me segredara, em sotaque erudito de andante, que findaria a paz, mas, não pereceria a raça. Seus traços, mesmo débeis, desenhariam faces mundo afora e, suas mãos se estenderiam, alcançando o mate de união.
Os meus, também arderam em chamas, por dias, mas, fadados a unir, congraçar e aquecer almas, brotaram dos amontoados de cinzas e verdejam os campos sulinos.
Por isso, prossigo irmanando e semeando mateadores mundo afora e... nas noites pampeanas, me deleito ao escutar, bradando nas frinchas - ESTA TERRA TEM DONO -, não somente das cordas das guitarras campeiras, dos foles de gaitas e de bocas campesinas, mas, também, de citadinas e aquerenciadas, que na armada de doze braças do trançado de oito, com aroma de campo, cincham mais um pra roda de mate, que aquece a chama do fogo de chão.

Celso da Silva (Texto protegido por direitos autorais).

Glossário
(desenvolvido por: Dênio Krug)

Agourento: De mau agouro, pessimista;
Alumiar a vista: Clarear a visão, achar o foco do objetivo;
Amadrinhando: Radical em madrinha, que faz as vezes de protetor; que dá amparo;
Armada de doze braças: Tamanho da armada do laço;
Baio: Pelagem do cavalo, de cor clara;
Batovi: Cerro localizado na localidade de mesmo nome, na cidade de São Gabriel, de importância histórica, pois lá foi fundada, pelo espanhol Don Félix de Azara, a primeira vila de São Gabriel do Batovi, que mais tarde deu origem a cidade de São gabriel;
O nome "Batovi" tem origem da palavra indígena "M´baetovi" que signifíca"coisa amontoada"
Bocarras do chão: Buracos no chão;
Branco manto: Geada;
Caá: Chá ou infusão das folhas de erva mate;
Caibaté: Município gaúcho chamado de terra dos mártires, porque, em Caaró, em terras do atual município de Caibaté, os padres jesuítas Roque Gonzales de Santa Cruz, Afonso Rodrigues e Juan del Castillo foram trucidados por um grupo de nativos contrários a evangelização cristã, liderados pelo cacique Nheçu, um lider guarani que possuia autoridade máxima na região do atual município de Roque Gonzales e comunidades vizinhas. No local foi erguido um santuário em honra aos jesuítas mártires;
Calorento: Diz-se em relação ao clima, de temperatura alta;
Cambona: Utensílio de cozinha campeira, geralmente feito de vasilhame metálico (lata de azeite) envolvido por alça de arame torcido como cabo, servindo de chaleira ou bule. A versão mais sofisticada é conhecida por chicolateira e, se presta ao mesmo fim: para aquecer o água mate;
Castrado: Animal orquiectomizado;
Caudilho: refere-se a um lider político-militar no comando de uma força autoritária;
Companhia de Jesus: A companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como Jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534, por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo Basco Iñigo Lópes de Loyola, conhecido posteriormente como Inácio de Loyola, para combater as ideias de Martinho Lutero e o protestantismo. É hoje conhecida principalmente por seu trabalho missionário e educacional;
Coxilha: Pequena elevação no terreno, menor do que monte, morrete;
Dragão: Militar do Exército, soldado;
Enleio: Enrosco, briga, luta;
Entressachado de dor: Dolorido, com dores muito fortes;
Estanho espanhol: Projétil de arma de fogo, usado pelos espanhóis;
Girau: Espécie de grades de varas, sobre esteios fixados no chão, que serve de cama na casas pobres e também de grelha para expor ao sol quaisquer objetos;
Lombo: Garupa;
Malacara: Nome próprio, geralmente dado a cavalos,. Também se refere a cânions do Itaimbézinho, no RS;
Malfado: Malfadado, sem sorte, azarado;
Paleteada: Batida, pancada com a paleta;
Refrega: Briga, luta;
Ruano: Cor de pelagem de cavalo
Sorvia: 3ª pessoa singular do verdo sorver
Tiarajú: Lendário índio guarani, Sepé Tiarajú foi líder da resistência indígena ao tratado de Madri (1750), nos Sete Povos das Missões, região Oeste do Rio Grande do Sul;
Topetudo: De modo altaneiro, altivo, elevado, de certa arrogância, de certo orgulho;
Tuco Tucos: Espécie de roedores;
Trançado de oito: Laço ou sovéu trançado com oito tentos;
Trompasso: Batida de forte impacto;
Turbilhão: Remoinho, rebojo;
Ufania etílica: Bebedeira;
Vistaço: Olhada de longe;

segunda-feira, 1 de março de 2010

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"Dama de Negro"

...mas, quando a Dama de Negro os aparta, de nada adiantará chorar ou lamentar-se, pois não nos é permitido voltar no tempo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010


Escritor Celso da Silva sendo entrevistado no lançamento de seu primeiro Livro Prisioneiros em Montenegro RS.










Escritor romancista.
Membro da Academia Santoamarense de Letras
Cadeira nº 18.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Minhas Férias

No veleiro Coronado, curtindo Angra dos Reis.